sábado, 24 de março de 2012

Anunciação de Nossa Senhora
Festa, dia 25 de março

Paulo Francisco Martos

Numa pequena casa da cidade de Nazaré, ocorreu o acontecimento mais importante da História da humanidade: a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade no seio puríssimo de Maria. A Santa Igreja comemora esse transcendental acontecimento a 25 de março, precisamente nove meses antes do Natal.
O evangelista São Lucas narra o fato com simples palavras.
O valor da graça 
Inclinando-se respeitosamente diante da Santíssima Virgem, o Arcanjo São Gabriel disse-lhe: "Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1, 28).
Consideremos as palavras: Cheia de graça. A menor das graças vale mais que todo o universo material. Pois a graça é a participação da vida divina. Se tivéssemos que escolher entre a menor das graças e todos os tesouros do mundo, deveríamos, sem a menor hesitação, preferir a graça.
Ora, desde o primeiro instante da concepção, que foi imaculada, a graça divina inundara a alma de Maria e essa graça não cessaria de crescer em proporções que desafiam os cálculos de nossas débeis inteligências. Por isso, São Gabriel A chamou: Cheia de graça.
Humildade da Virgem 
Maria Santíssima compreendia perfeitamente a imensidade de Deus e o nada da criatura. Devido à sua prodigiosa humildade, Ela se espantou ao ouvir aqueles louvores.
Vendo a mais perfeita das criaturas ter sentimentos tão despretensiosos, o embaixador celeste acrescentou: "Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus; eis que conceberás e darás à luz um Filho, a Quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será o Filho do Altíssimo. Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e reinará eternamente e o seu reino não terá fim" (Lc 1, 30,33).
Espírito profundamente lógico de Nossa Senhora 
Logo após o primeiro elogio feito por São Gabriel, a Santíssima Virgem "meditava que saudação seria esta" (Lc 1, 29).
E quando o anjo anunciou-lhe que Ela seria Mãe de Deus, a Virgem indagou: "Como se fará isso, pois Eu não conheço varão?". E ele respondeu-lhe: "O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá. E, por isso mesmo, o Santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus" (Lc 1, 35-37).
União Hipostática 
Compreendendo ser essa a santíssima vontade de Deus, a Virgem disse ao Anjo: "Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra" (Lc 1, 38).
poderosa, ó eficaz, ó augustíssima palavra! -- exclama São Tomás de Vilanova (1488-1555). Com um Fiat (faça-se) criou Deus a luz, o céu, a terra, mas com este Fiat de Maria um Deus se tornou homem como nós".
Então operou-se a maior de todas as maravilhas. Pela ação do Espírito Divino começou a formar-se no seio da Virgem puríssima o corpo do Menino Jesus. O mesmo Espírito Santo uniu a esse corpo uma alma humana e juntou corpo e alma à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Essas três partes de uma mesma operação foram simultâneas, e esse sublime mistério é denominado pela Teologia de União Hipostática. Na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo -- verdadeiro Deus e verdadeiro Homem -- se unem as naturezas divina e humana.
Maria, Mãe de Deus
A Virgem é Mãe de Deus porque gerou alguém que é Deus. Não é, porém, Mãe da Divindade ou da natureza divina; é Mãe duma Pessoa Divina enquanto produziu, no tempo, a natureza humana dessa Pessoa.
Ora, Maria é mãe no sentido próprio. Pois o sujeito gerado é Deus ou uma Pessoa Divina, e não uma pessoa humana que depois foi feita Deus. O filho da Virgem é Deus no momento da concepção. No mesmo instante em que foi homem, foi Deus e homem, porque a natureza humana de Jesus estava destinada a subsistir, unida à natureza divina, na Segunda Pessoa divina.
Esses pontos são doutrina de fé, explicitamente definida e de primeira importância no dogma da Encarnação, pois compreende:
1. A declaração da natureza humana de Cristo, sem a qual não haveria a maternidade de Maria.
2. A declaração da natureza divina de Cristo; do contrário, o filho de Maria não poderia chamar-se Deus.
3. A declaração da união hipostática das duas naturezas na mesma pessoa, a divina; só assim pode ser um mesmo, o filho de Deus-Pai e o filho de Maria.
4. A declaração desta união desde o instante da concepção de Cristo; do contrário, a mãe de Cristo-Homem não se poderia chamar e ser Mãe de Deus.
Maria é chamada verdadeiramente Mater Dei, em latim, ou Theotokos, em grego, conforme definiu solenemente o Concílio de Éfeso, no ano de 431.


Fonte: Revista de Cultura Catolicismo, março de 1996.
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Fontes de referência:
- Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria Santíssima, Vozes, 1964.
- Cônego Raymond Thomas de Saint-Laurent, La Vierge Marie, Aubanel Frères - Avignon, 1927.
Frei J. Armindo Carvalho, O.P., Maria no plano de Deus, Cadernos Culturais, 1, Braga, 195

domingo, 11 de março de 2012

Imagens de Nossa Senhora face à moda
Em algumas imagens da Santíssima Virgem, Ela aparece magnificamente trajada; em outras, porém, apresenta-se de forma despretensiosa, dando-nos exemplo de modéstia
                                                                     Valdis Grinsteins
Nossa Senhora de Fátima
Há certas perguntas que nunca me teriam passado pela cabeça, mas uma vez formuladas, não saem do pensamento até serem resolvidas. Uma delas foi a apresentada por uma senhora francesa ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Desejava ela saber o motivo pelo qual as vestes de Nossa Senhora de Fátima eram tão simples — uma modesta túnica branca, com bordadura dourada. E, ademais, nessa aparição a Virgem Santíssima apresenta-se sem calçado. Realmente, para uma Rainha, era esta uma vestimenta a mais simples possível. 
Por incrível que pareça, vi inúmeras vezes imagens de Nossa Senhora de Fátima, e nunca havia reparado nesse aspecto. A moda não é, nem de longe, o que mais me atrai. Mas não posso deixar de reconhecer que por detrás dessa pergunta pode-se constituir todo um mundo de interessantíssimas considerações.
Com efeito, a moda não é uma coisa banal. Na escolha de uma roupa está subjacente um pensamento, e ela pode encerrar mais sociologia do que a escolha de uma comida. Podemos aquilatar, por exemplo, se uma pessoa é extravagante pela forma como ela se veste. Isto posto, o que dizer das vestes da Santíssima Virgem?
 Consideração preliminar
Véu de Nossa Senhora na Catedral de Chartes
Antes de mais nada, devemos esclarecer que vamos tratar da forma como aparecem vestidas as imagens de Nossa Senhora, e não como Ela se vestia em sua vida terrena. Até porque são parcas as informações que possuímos sobre as vestes originais da Virgem Maria, das quais um dos componentes é o véu usado por Ela, que se conserva na Catedral de Chartres, na França. Ele foi analisado segundo os métodos mais modernos da ciência, e descobriu-se que foi tecido com as técnicas utilizadas pela classe alta da Palestina do primeiro século, mas os fios correspondem aos usados pelas classes pobres. O que coincide com a vida de Nossa Senhora, que, tendo sangue real, vivia num estado de edificante pobreza.
As diversas imagens de Nossa Senhora correspondem geralmente a duas classes: as que foram pintadas ou esculpidas segundo a imaginação do artista; e as que foram feitas tendo por base uma aparição, e nas quais procurou-se representá-La o mais parecida possível com a visão.
Imagens baseadas em aparições
Nossa Senhora de Lourdes
Entre as imagens que procuram representar a Virgem do modo como Ela apareceu a videntes, as mais conhecidas são as de Fátima e Lourdes. Tanto os três pastorzinhos de Fátima como Santa Bernadette Soubirous deixaram descrições pormenorizadas da forma como Ela estava trajada. Mais ainda, eles supervisionaram a confecção das imagens, ou as comentaram.
Em ambos os casos, o traje de Nossa Senhora é muito simples, constituído por três peças: a cabeça é coberta por um véu longo; um vestido chega até os pés; e em torno da cintura, um elegante cinto. As cores são igualmente singelas: branco e dourado em Fátima; branco e azul em Lourdes. Nos dois casos, Ela apresenta-se sem calçados.
 Por que Nossa Senhora quis aparecer vestida desse modo em Lourdes? Se analisarmos o contexto em que se deu a aparição, veremos que, na metade do século XIX, o mundo entrava numa era de prosperidade material e decadência moral. E para exercer um apostolado em relação a essa época, Ela apelava justamente para o oposto: as vestes longas e brancas, conclamando à castidade um mundo que começava a apreciar a freqüência a praias, a usar decotes exagerados e cada vez menos recatados. Ela, entretanto Rainha, aparece sem jóias a um mundo que media as pessoas não mais pela virtude, mas pela riqueza. E aparece descalça, não por naturalismo, muito menos por hippismo, mas porque andar descalço era um modo de fazer penitência. O Rosário na mão e o fato de estar descalça constituem justamente a conclamação à penitência e à humildade. Resumindo: Nossa Senhora vestia-se de forma contrária à sensualidade e ao orgulho do mundo naquele século XIX.
E em Fátima? Ela aparece igualmente descalça e completamente coberta. Os vícios turbulentos do século XIX tinham se transformado em verdadeiro tufão no século XX. Era mais necessário do que nunca conclamar à prática da castidade e à vida penitencial. Mas — detalhe importante — o traje d’Ela ostenta uma borda dourada. Que significado teria isso? Lembremos que na Mensagem de Fátima a Virgem anuncia, para além de todos os castigos e todas as tragédias, um imenso triunfo — a vitória completa de seu Imaculado Coração. E esse fio de ouro ao longo de todo o vestido e do véu, bem como no cinto, parece ser uma espécie de promessa da vitória final, com a anunciada implantação nesta Terra do Reino de Maria.
Nossa Senhora de Guadalupe
Poderíamos ainda tratar da forma como Nossa Senhora se veste na aparição de Guadalupe, no México. Ela ostenta vários símbolos que os índios astecas conheciam: concomitantemente, o véu das mulheres casadas e o cinto das mulheres virgens.
Poder-se-ia aduzir ainda a imagem de Nossa Senhora de Coromoto, padroeira da Venezuela, uma das poucas aparições em que se mostra coroada, querendo assim indicar que Ela é Rainha e irá reinar.
Imagens de devoção popular
Há um segundo grupo de imagens. São aquelas confeccionadas por artistas para representar esta ou aquela devoção dos povos, este ou aquele mistério da vida de Nossa Senhora. Tais imagens são vestidas com modéstia, embora às vezes de forma muito rica.
Nossa Senhora Imperatriz da China
Exemplo: Nossa Senhora Divina Pastora normalmente é representada como se vestiam as pastoras francesas ou italianas do século XVI ou XVII — devoção especialmente difundida pelos padres capuchinhos. Trajes simples, de origem popular, mas de inegável bom gosto.
Diferente é a representação feita pela imagem de Nossa Senhora Imperatriz da China: vestida com os trajes que correspondem à classe nobre daquela nação. Com seda amarela, ornada de figuras orientais, emoldurada por uma bordadura preta, também com desenhos. Tanto a Santíssima Virgem como o Menino Jesus usam luvas pretas, e Ela ostenta longuíssimo e belo colar de pérolas. Detalhe encantador: a parte inferior do traje procura dar a impressão de pairar sobre nuvens. Para encerrar, não apenas a coroa, mas até o penteado é tradicional na China. Haverá melhor representação da elegância oriental?
A obra-prima da Criação
Não queremos deixar de aduzir um problema final. Nestes dias de permissivismo exacerbado, nos quais procura-se justificar as modas mais indecentes, é comum ouvir a seguinte objeção impudente: “Por que não se pode ostentar o corpo, se ele foi feito por Deus?”
Nossa Senhora del Miracolo
Com este pretexto, deseja-se aprovar todas as imoralidades, todas as comodidades e todas as decadências.
Ora, Nossa Senhora é a obra-prima da Criação, portanto perfeitíssima. Não apenas sua alma é perfeita, mas também seu corpo. Uma vez que Ela foi concebida sem pecado original, mesmo com o passar dos anos a Santíssima Virgem não sofreu qualquer degenerescência — o que ocorre com todo ser humano. Todos os homens, devido ao pecado original, se deformam com a idade, com as doenças, com a falta ou excesso de alimento etc. Se a Virgem Santíssima, que não sofreu qualquer espécie de deterioração, dá-nos o exemplo de modéstia e recato no vestir, não será mais sapiencial seguir seu excelso exemplo?
 (Fonte: Revista de Cultura, Catolicismo - Março de 2005)